sábado, 20 de setembro de 2008

Devia ser proibido


devia ser proibido
uma saudade tão má
de uma pessoa tão boa
falar, gritar, reclamar
se a nossa voz não ecoa
dizer não vou mais voltar
sumir pelo mundo afora
alguém com tudo pra dar
tirar o seu corpo fora
devia ser proibido
estar do lado de cá
enquanto a lembrança voa
reviver, ter que lembrar
e calar por mais que doa
chorar, não mais respirar (ar)
dizer adeus, ir embora
você partir e ficar
pra outra vida, outra hora
devia ser proibido...


[ Alice Ruiz e Itamar Assumpção ]


Alice Ruiz e Itamar Assumpção


LEMBRANÇAS DESTE EDITOR

Esse poema/música acima foi uma sugestão da minha querida amiga e camarada de lutas Maíra Gentil diretamente de Salvador (BA). È a primeira sugestão que publico aqui. Por favor, sinta-se incentivados para mais sugestões.

Devia realmente ser proibido a saudade.

Mas o que seria da poesia se a palavra saudade fosse proibida? Seria a felicidade do tradutor, mas e o poeta? E aquele que ama e está longe de seu amor?

Por outro lado, colocar esses palavras da Alice Ruiz e do Itamar Assumpção é bom para recordar.

Num dia de sorte encontrei meu irmão e sempre camarada João Carlos que me arrastou numa apresentação do Itamar. Foi no Itaú Cultural.

Na ante-sala do Cabo da Boa Esperança, Itamar, dialogava com a morte, com suas várias facetas e idiomas. Esse emissário do fim, era interpretado pela Elke Maravilha. Nesse show, ele preparava o caminho para sentirmos saudade. Um show profundamente impressionante. Uma mistura de teatro, música e poesia intensa. Um momento único.

Obrigado Maíra e João Carlos.

Alexandre Linares

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Os Amantes


Quem os vê andar pela cidade

se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos: algo fala
entre seus dedos, línguas doces

lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e acima a noite está cheia de olhos.


São os amantes, sua ilha flutua à deriva

rumo a mortes na relva, rumo a portos

que se abrem nos lençóis.
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;

porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amarga arena

há uma pausa na criação do nada

o tigre é um jardim que brinca.

Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.

Os amantes cansados se fitam e se tocam
uma vez mais antes de haurir o dia.


Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E só então,
quando estão mortos, quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos.


[ Julio Cortázar ]


Tradução de José Jeronymo Rivera




Original em espanhol


Los Amantes

¿Quién los ve andar por la ciudad
si están todos ciegos?
Ellos se toman de la mano: algo habla
entre sus dedos, lenguas dulces
lamen la húmeda palma, corren por las falanges,
y arriba está la noche llena de ojos.

Son los amantes, su isla flota a la deriva
hacia muertes de césped, hacia puertos
que se abren entre sábanas.
Todo se desordena a través de ellos,
toda encuentra su cifra escamoteada;
pero ellos ni siquiera saben
que mientras ruedan en su amarga arena
hay una pausa en la obra de la nada,
el tigre es un jardín que juega.

Amanece en los carros de basura,
empiezan a salir los ciegos,
el ministerio abre sus puertas.
Los amantes rendidos se miran y se tocan
una vez más antes de oler el día.

Ya están vestidos, ya se van por la calle.
Y es sólo entonces
cuando están muertos, cuando están vestidos,
que la ciudad los recupera hipócrita
y les impone los deberes cotidianos.



[ Julio Cortázar ]




Para saber mais sobre o Julio Cortázar:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Julio_Cortázar

http://www2.uol.com.br/entrelivros/multimidia/entrevista_de_julio_cortazar.html


quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O Dom da Poesia

(fragmento)

Deixa a palavra escorregar,
Como um jardim o âmbar e a cidra,

Magnânimo e distraído,

Devagar, devagar, devagar.

[ Boris Pasternak ]

Tradução de Augusto de Campos




Saiba mais sobre Boris Pasternak
http://pt.wikipedia.org/wiki/Boris_Pasternak

Canção


O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação


o peso
o peso que carregamos
é o amor.


Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano -


sai para fora do coração
ardendo de pureza -


pois o fardo da vida
é o amor,


mas nós carregamos o peso
cansado
se assim temos que descansarnos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.


Nenhum descanso

sem amor,
nenhum sono
sem sonhosde amor -
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor- não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contigo
quando negado:


o peso é demasiado
- deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.


Os corpos quentes
brilham
escuridão, a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho -


sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltara
o corpo
em que nasci.

[ Allen Ginsberg ]

in Uivo, L&PM.1984, Tradução de Cláudio Willer



[ Allen Ginsberg — foto feita por by William S. Burroughs (1953) ]


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Saiba mais sobre Allen Ginsberg

http://pt.wikipedia.org/wiki/Allen_Ginsberg

http://www.revista.agulha.nom.br/ag26ginsberg.htm


Saiba mais sobre os Beatniks

http://pt.wikipedia.org/wiki/Geração_Beat

http://br.geocities.com/literaturabeat/cult2.htm

Uma fronteira para o grito

Inseguro entre o céu e a estepe, suspenso num fluir de roda gigante, embebido na minha nostalgia de centauros, eu devoro pedaços de musgo e raízes de plátano, estendido em jardins intermináveis onde se modelam arcanjos. Teria sido muito mais fácil escrever cartas de amor, para serem estendidas ao longo das estradas e pelas paredes dos tribunais – são inúteis para a vida, porém, estes poucos instintos que lentamente se devoram uns aos outros – sobra-nos apenas uma memória de fugas de amantes, a grandeza do gesto de um epiléptico, a solidão profunda dos grandes sedutores. Há sonhos, porém, que nos acometem com uma simetria de gaitas de fole - há também a necessidade de escrever testamentos, sempre obscuros, insultando os jardineiros das praças públicas, e aqueles que comem hóstias com uma regularidade de aranha e armazenam pontas de cigarros em cofres de aço, temerosos da posteridade. É absolutamente necessário, também, conclamarmos à união os famintos de santidade, os guardiões de serpentes e domadores de circo, os exploradores dos subterrâneos das pontes e viadutos, os exilados voluntários, para partirmos juntos em busca da inviolável liberdade dos caminhos seguidos ao acaso, e da verdade contida nas escadarias, pórticos e paredões desabados.

publicado em Anotações para um Apocalipse, 1964

[ Claudio Willer ]


Saiba mais sobre Claudio Willer
http://www.jornaldepoesia.jor.br/cw.html#bio

Um breve registro pessoal sobre Claudio Willer

Conheci ele por um acaso da vida. Num dia recebo um e-mail dele com o convite para a posse da UBE - União Brasileira dos Escritores. Eu nessa época trabalhava como editor e respondi para ele dando meus parabéns e minha saudação ao mandato dele como presidente da UBE. Isso foi em 2003.

Depois me dei conta que ele havia sido tradutor de diversos livros que eu simplesmente adorava como o clássico beatnik Uivo do Allan Ginsberg, os Escritos do Antonin Artaud e o belo livro Crônicas da Comuna reunindo vários textos de escritores que viveram durante a Comuna de Paris.

Quando pude conhecê-lo pessoalmente, minha admiração só aumentou. Convidei ele para se associar a luta contra a Guerra no Iraque, subscrevedo o manifesto NÃO EM NOSSO NOME, que ele acabou encabeçado no Brasil.

Convido todos vocês a conhecerem o restante da obra do Claudio Willer.

A.L.

terça-feira, 16 de setembro de 2008


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Mensagem aos leitores
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Nos últimos dias tenho enviados esses pequenos spams diários de poesia.

Chegaram ao meu e-mail algumas dúvidas e indagações das razões que fizeram brotar essa iniciativa.

Não tenho uma resposta pronta.

Acredito que a primeira razão é que eu gosto de poesia. E me deu na telha socializar minhas leituras.

A poesia sob certo aspecto é condutora de vida, ao sintetizar em palavras os sentimentos humanos. E como diria Terêncio no aforismo prededileto de Marx: "Nada do que é humano me é estranho".

Penso que poesia é uma forma de seduzir cada um pela emoção e pela sensibilidade.

É onde cada ser humano pode traduzir o que existe de profundo na alma.

E para qualquer um que esteja pela emancipação humana de todo tipo de opressão, a poesia é uma recanto de energia e libido. O velho revolucionário russo Leon Trotski diria que "A revolução trará não somente direito ao pão, mas também à poesia". É o que acredito.

Como o poeta surrealistas e ousado militante revolucionário Benjamin Peret penso que: "O poeta deve antes do mais tomar consciência da sua natureza e do seu lugar no mundo. É um inventor para o qual a descoberta não é mais do que o meio de atingir nova descoberta, pelo que tem de combater sem tréguas os deuses paralisantes que se obstinam a manter o homem servo das potências sociais e da divindade que se completam mutuamente. Há-de ser, pois, revolucionário, mas não daqueles que, opondo-se ao tirano de hoje, que lhes é nefasto por ser contrário aos seus interesses, louvam o de amanhã, de que já se instituiram servidores. Não, o poeta luta contra toda a opressão: a começar pela do homem pelo homem e a continuar pela opressão do seu pensamento pelos dogmas religiosos, filosóficos ou sociais. Combate para que o homem atinja um conhecimento de si próprio e do universo que se vá aperfeiçoando sem parar. Donde não se segue, porém, que deseje pôr a poesia ao serviço de uma acção política, mesmo que revolucionária. Mas a sua qualidade de poeta faz dele um revolucionário que tem de combater em todos os terrenos: o da poesia pelos meios próprios à poesia e o da acção social, sem nunca confundir os dois campos de acção, sob pena de restabelecer a confusão que há que dissipar, deixando assim de ser poeta, isto é, revolucionário."

Nesse e-mail diário peço licença para a cada dia depositar um poema (que podem ser na forma de palavras, imagens ou até vídeos) no e-mail de vocês. Quem não quiser receber mais, é só pedir. Quem quiser enviar o e-mail de alguém para receber também, fique a vontade. Quem quiser colaborar, eu agradeço.

Cada manifestação de vocês será bem-vinda.

Boa leitura.

Beijos e abraços,

Alexandre Linares


Minha finalidade

Turbilhão teleológico incoercível,
Que força alguma inibitória acalma,
Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma
Dos que amam apreender o Inapreensível!

Predeterminação imprescriptível
Oriunda da infra-astral Substância calma
Plasmou, aparelhou, talhou minha alma
Para cantar de preferência o Horrível!

Na canonização emocionante,
Da dor humana, sou maior que Dante,
— A águia dos latifúndios florentinos!

Sistematizo, soluçando, o Inferno...
E trago em mim, num sincronismo eterno
A fórmula de todos os destinos!

[ Augusto dos Anjos ]


Mais sobre Augusto dos Anjos

Verbete na Wikipedia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_dos_Anjos

As Razões da Angústia de Augusto dos Anjos
http://www.jornaldepoesia.jor.br/augusto16.html

O poeta do Eu está mudando de público
http://www.jornaldepoesia.jor.br/augusto20.html


Volto Na Primavera

antes que eu te deixe
deixe eu dar um gole em você
não é mole
viver sem ninguém
cair de porre até o verão
tirar um sarro do teu coração
me conte um sonho
pra sonhar no outono
depois me deixe ir
ou se puder me espera
volto na primavera
quando acabar a primavera
volto na primavera
quando acabar a primavera

[ Alice Ruiz ]


Mais sobre Alice Ruiz


http://pt.wikipedia.org/wiki/Alice_Ruiz


Aço e Flor

Quem nunca viu
que a flor, a faca e a fera
tanto fez como tanto faz,
e a forte flor que a faca faz
na fraca carne,
um pouco menos, um pouco mais,
quem nunca viu
a ternura que vai
no fio da lâmina samurai,
esse, nunca vai ser capaz.

[ Paulo Lemiski ]


Saiba mais sobre o Leminki

http://www.jornaldepoesia.jor.br/pl.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Leminski

Haikai

Ao sol da manhã
uma gota de orvalho
precioso diamante.

[ Matsuo Bashô ]


Saiba mais sobre Bashô


http://pt.wikipedia.org/wiki/Matsuô_Bashô